domingo, 11 de abril de 2010

Acontecimento da semana - pensamento e compromisso

Dia de relâmpagos, trovões e chuva, quarta passada cantei no Instiuto Anísio Teixeira – abre aspas “nascido em Caetité - Bahia, em 1900 — foi jurista, intelectual, educador e escritor brasileiro. Personagem central na história da educação no Brasil, nas décadas de 1920 e 1930, difundiu os pressupostos do movimento da Escola Nova, que tinha como princípio a ênfase no desenvolvimento do intelecto e na capacidade de julgamento, em detrimento da memorização. Reformou o sistema educacional da Bahia e do Rio de Janeiro, exercendo vários cargos executivos. Foi um dos mais destacados signatários do Manifesto dos Pioneiros da Escola Nova em defesa do ensino público, gratuito, laico e obrigatório, divulgado em 1932. Morreu em 1971 no Rio de Janeiro de maneira misteriosa” fecha aspas.

Nesse dia estava celebrando junto a professores e técnicos o novo portal da secretaria de Educação: www.educacao.ba.gov.br Fiz um pequeno show com músicas de Gilberto Gil, um dos compositores que mais enaltece as novas tecnologias nas suas canções, entre outras que representam bem a globalização cultural, como a versão de Martinália da música Don’t worry be happy. Após um atraso de duas horas o evento começou. A audiência atenta aplaudiu o novo site e as possibilidades de conexão e troca de informações entre as cidades da Bahia. Conhecimento é poder, mas o computador, a internet é apenas um dos instrumentos para uma educação de qualidade.

Depois do show voltei pra casa e fiquei lembrando dos meus tempos de escola. Como eu valorizava e valorizo a aquisição de conhecimento. Pensei em como adquiri esse sentimento e o que tive nas diversas unidades de ensino por onde passei. Aos 3 anos “estudava” em uma lavanderia em frente a entrada do Engenho Velho de Federação. Claro que brincava muito, mas aprendi a escovar os dentes, lavar as mãos e outros hábitos saudáveis como dividir o lanche com quem não tinha. Me alfabetizei na Escola Teresa de Lisieux e fiquei nessa escola até a oitava série. Percebi com o tempo que me manter naquela instituição de ensino, onde prevalecia ricos e/ou bem nascidos, era um grande esforço para meus pais, então para superar a diferença da minha morenice e compensar o investimento feito, eu só tirava notas boas. Mas isso não era sacrificante. Era extremamente prazenteiro ouvir, aprender, compreender e absorver aquele novo conhecimento.

Claro que notas boas não garantem o pagamento das mensalidades e na fase pank, pós separação dos meus pais, visitas à tesouraria eram constantes. Uma ameaça “sutil”: se os seus pais não pagarem os atrasados, vocês não poderão fazer prova. Ainda bem que eu não era a única. Passar privações em casa, encarar o buzu Beirú – Pituba lotado toda manhã e ainda pagar o mico de ter o nome divulgado como aluna inadinplente pelo sistema de som me causou uma rebeldia do Bem. Decidi fazer o teste para a Escola Técnica Federal da Bahia e passei.

Na Escola Técnica me sentia parte de uma elite. Grupo de estudantes inteligentes, mas principalmente, estudantes que queriam garantia de emprego no futuro. Aos 15 / 16 anos, era um tempo de estréias. Comecei me envolvendo no movimento de Diretas para Diretor. Conheci assim o movimento estudantil e os dois partidos que davam suporte a ele: o PcdoB e o PT. Experimentei muita cachaça e vinho barato. Tentei fumar cigarro – meus pai fumavam, os carinhas politizados fumavam – isso durou um mês. Apesar da presença da maconha, não encarei porque sempre detestei o cheiro da fumaça. Beijinhos, amaços, e muita ingenuidade. Mais notas boas me levaram ao disputado curso de química por uma possibilidade de trabalho no pólo. Os melhores sempre saem com emprego garantido. No entanto também tinha muita arte: teatro, música, festivais. Cantei muitas vezes nessa escola como cantava muito com meus amigos no conjunto onde morava no Cabula. Assim em 1987, comecei a cantar em bares e decidi deixar a ETFBa para estudar no Colégio Águia, me preparar para o vestibular e ser universitária. Passei na UFBA (Universidade Federal da Bahia), Universidade Católica de Salvador e UNEB (Universidade Estadual da Bahia) com pontuações muito boas. Optei por Comunicação Social, habilitação em jornalismo na UFBA, mas precisaria de outro texto só pra falar desse longo período universitário.

Vou colocar aqui alguns itens para mim fundamentais para uma educação básica de qualidade:
1. Espaço físico estruturado, limpo e seguro para adquirir e passar conhecimento. Escolas com salas mobiliadas, bem iluminadas e limpas;
2. Professores motivados devidamente preparados para transmitir conhecimento e valorizados com salários dignos e com prêmios para trabalhos de destaque;
3. Aluno na sala de aula consciente do quão fundamental é aquele momento pois pode transformá-lo em uma pessoa com pouca ou nenhuma perspectiva a uma pessoa integrada, antenada e atuante no seu tempo. Importante nesse contexto o apoio dos pais ou responsáveis.
4. O material didático deve ser acessível e de conteúdo que estimule a inteligência e a capacidade crítica do indivíduo;
5. Toda unidade de ensino deve ter esporte e uma área de lazer. O primeiro além de ser saudável para o corpo, estimula a competitividade, o traballho em grupo, e o segundo é o local onde os alunos tem oportunidade de interagir e relaxar.
6. Depois desses itens, diria que toda escola deve ter o seu centro de informática ou sala de computadores conectados a Internet. Assim os nossos meninos poderão contactar colegas da própria sala ou pessoas de outros estados e países, extrapolando fronteiras e acessando dados de toda rede mundial.
7. Tudo que existe na escola é para ser compartilhado. Foi comprado com dinheiro público através do pagamento de nossos impostos ou foi pago por pais e responsáveis de todos os alunos. Então precisa ser mantido.

Palavras do mestre Anísio Teixeira no seu tempo:
"Sou contra a educação como processo exclusivo de formação de uma elite, mantendo a grande maioria da população em estado de analfabetismo e ignorância.
Revolta-me saber que dos cinco milhões que estão na escola, apenas 450.000 conseguem chegar a 4 ª. série, todos os demais ficando frustrados mentalmente e incapacitados para se integrarem em uma civilização industrial e alcançarem um padrão de vida de simples decência humana.
Choca-me ver o desbarato dos recursos públicos para educação, dispensados em subvenções de toda natureza a atividades educacionais, sem nexo nem ordem, puramente paternalistas ou francamente eleitoreiras.”


Que pena. Parece que pouco mudou. Atenção, temos eleição!

sábado, 3 de abril de 2010

Lembranças 1


De fato tenho uma memória extremamente seletiva e com plena autonomia de vôo. Ela é tão autônoma que muitas vezes elimina nomes e momentos valiosos, e me mete em situações embaraçosas. Esqueço nome de colegas parceiros, músicos de minhas bandas passadas, profissionais que cruzei nos corredores das TVs, rádios e jornais, até nome de alguns parentes, letras de música que gravei, nome de lugares que visitei ... bem, a lista é gigantesca.

Quando visito o grupo Carla Visi criado por Ciro no FACEBOOK sou surpreendida com vídeos, fotos, shows antigos que nem me lembrava mais. Fico tão feliz em ter compartilhado esses momentos com alguma audiência, em perceber que aquele momento marcou a vida de algumas pessoas. Então li a sugestão de um companheiro de rede. Marcelo perguntou: quais os momentos da carreira que marcaram Carla? De imediato sinto uma pane porque surgem muitas imagens desordenadas, depois um vazio como se nada de relevante tivesse acontecido nesses 23 anos de cantoria.

Então respiro fundo e penso nos momentos que marcaram minha vida como cantora e logo lembro da minha primeira lição. Quando comecei a cantar ainda adolescente, a primeira pessoa a reconhecer o meu talento e a me estimular a cantar foi a minha mãe. Cantora de voz potente e contralto, deixou a música para casar e ser uma mulher dedicada a família. A partir daquele momento, década de 80, a nossa família se resumia a nós duas. A separação dos meus pais me possibilitou o encontro com a música. Passamos muitas privações financeiras. Apartamento no Cabula com poucos móveis, geladeira vazia. Chegamos a dividir a marmita que minha mãe recebia de almoço no estágio da Secretaria da Fazenda. Graças aos bares mobiliei a casa, consegui concluir o segundo grau, consegui ser aprovada com louvor em todas as universidades e ainda fiz uma poupança. Naquele momento decidi que lutaria por minha independência e que nunca dependeria de um marido.

Minha mãe que nasceu Raynalva em 1950, de apelido Iná e por causa de numerologia desencarnou em 2003 como Inaiá, viveu intensamente as minhas conquistas e meu sucesso. Dona Iná era o meu norte, minha fonte de luz e equilíbrio. Mulher de uma espiritualidade imensa, adorava ajudar a todos até encarar o câncer. Sempre tentei retribuir o carinho e a dedicação dela, mas naquele momento nada salvaria minha mãe. Depois de 7 anos ainda tem gente na família que tem a cara de pau de me perguntar: por que não fizeram um transplante de fígado? Será que o tratamento foi correto? Convivi com isso durante meses. Fiquei deprimida, me sentindo culpada, como se a minha negligência tivesse matado a pessoa que eu mais amava no mundo.

Hoje tenho certeza que as pessoas morrem quando devem morrer. Ela lutou para viver enquanto pode. Tentou tratamentos diversos, além da quimioterapia. Mas chega um momento que até os melhores guerreiros se retiram da luta. Naquele dia 4 de abril de 2003, depois de uma semana de muitas dores, minha mãe partiu. Deus, como eu sofri, como eu briguei contigo, como eu me isolei, como eu curti a minha dor até ressurgir das cinzas ... fortalecida. Quando tinha 11 anos, minha mãe me ouvia cantando as canções de Elis e diante de um pequeno deslize, ela me disse: “Filha, feche os olhos, sinta a música e solte a voz. Não se preocupe com nada, apenas cante”. Nesse dia nasceu a intérprete Carla Visi. Minha mãe, muito obrigada.