quarta-feira, 9 de março de 2011

Qual o preço de uma frustração?


Carnaval com amor é maravilhoso, mas sem profissionalismo é impossível.


Sempre falo que quem cria expectativas termina colhendo frustrações. Mas não seguindo o meu próprio conselho, acreditei que tudo fluiria bem na terça feira de carnaval no Apaxes do Tororó. Comecei esse processo dispensando sutilmente todas as propostas de shows para esse dia. Bons cachês, condições razoáveis de trabalho ... mas pairava sobre mim uma vontade imensa de mais uma vez cantar no Carnaval de Salvador. Então no dia 14 de fevereiro na casa da minha tia Ray e na presença da minha vó Dalva, meu pai e minha madrasta, eu concordei em fazer no dia Internacional da Mulher uma grande homenagem as mulheres carnavalescas da família e do Brasil em um dos blocos de índios mais tradicional da Bahia. Importante salientar que minha tia Ray é diretora fundadora do Apaxes e minha mãe, Iná, foi a primeira mulher a cantar no bloco.

A emoção nos contagiou e toda família se envolveu. O presidente do bloco Apaxes, Adelmo colocaria a estrutura do bloco na rua e nós conseguiríamos o dinheiro para pagar os músicos e profissionais da equipe técnica. Questionei: mas nós temos apenas duas semanas? E todos concordaram em até colaborar do próprio bolso para pagar os cachês. Saímos em busca de colaboradores. Uma amiga nos ajudou na assessoria de imprensa e dois amigos de meu pai e minha madrasta contribuíram com metade dos cachês. Cheguei a procurar o vice-prefeito que sempre muito gentil tentou nos ajudar através de outros órgãos envolvidos com o carnaval, mas devido o pouco tempo, não obtivemos retorno favorável. Tudo bem, assumiremos esse custo pois temos uma meta: fazer um lindo carnaval para o Apaxes, para a família e para meus queridos fãs, minha grande família do Brasil.

Eu e minha banda ensaiamos exaustivamente desde o dia 24 de fevereiro, pois tínhamos um repertório pronto para até 3 horas de show, mas não para 6 horas de percurso que é a media das saídas de trio em Salvador, enquanto a produção adaptava o nosso cronograma de viagens para chegarmos a tempo de montar o equipamento e todos se aprontarem. Inclusive houve a aquisição de passagens de avião de Ilhéus para Salvador pois o nosso show da segunda foi em Mucuri a 900 Km da capital baiana. O meu técnico de som começou uma peregrinação ao Parque de Exposições com o objetivo de ajustar o trio elétrico às nossas necessidades técnicas. Chegamos à quinta de Momo e o bloco ainda não tinha carro e os que estavam disponíveis foram desaprovados por Pardal, técnico de som que já montou diversos trios e conhece carnaval há trinta anos.

Compartilhei essa preocupação com a família e com alguns fãs antes de sair da cidade. Falei por telefone e mandei mensagens para Adelmo com cópia para membros da família e da minha equipe com as nossas condições mínimas para trabalhar no carnaval. De todas as exigências, um trio com bom som era a principal. Monitoramos a saída do bloco no domingo e na segunda quando tiveram na avenida o excelente trio Estrelar. Rapidamente o meu técnico ligou para o proprietário desse trio e ele muito feliz disse que seria um prazer ter um amigo no trio dele, mas que não sabia se estaria à disposição do Apaxes também na terça. Eu pensei: POR QUE O BLOCO TERIA UM EXCELENTE TRIO NO DOMINGO E NA SEGUNDA E NÃO NA TERÇA, JUSTAMENTE O DIA QUE EU CANTARIA NO BLOCO?

Viajamos muito, tocamos em diversas cidades para um público animado, conhecemos novos fãs e pessoas legais mas eu não me desligava de Salvador. Os poucos momentos que estive em algum hotel, assistia a transmissão da festa e via brilhar os meus colegas e artistas de outros estilos e pensava ... terça estarei compartilhando com vocês dessa alegria, dessa energia de cantar na capital do maior carnaval de rua. Chegamos em Salvador as 15hs de terça e meu pai e minha madrasta conseguiram uma saveiro para levar o equipamento pois Adelmo não se manifestou para nos oferecer o transporte que havia pedido, inclusive para nos levar até o trio na hora de tocar. Relevei o fato. Meu técnico e meu produtor seguiram para o trio com carro próprio enquanto amigos levavam os instrumentos. Ao chegar no Canela se depararam com os piores veículos de carnaval existentes. Mesa de som obsoleta, caixas em menor número com falantes recauchutados, iluminação precária, camarim pequeno e sujo e um banheiro sem condições de uso.

Vi o nosso carnaval se esvaindo e toda a tristeza me invadiu naquele momento. Havia um convite para participar da transmissão de uma TV, não tive coragem pois não me sentia bem. Pensava na minha tia, minha vó e outros parentes que fizeram fantasias pra mim, meus backings e músicos. Pensava nos fãs daqui e de outras partes do Brasil que vieram para celebrar comigo o último dia de carnaval. Pensava nos amigos que colaboraram com trabalho ou financeiramente para o pagamento da banda. Pensava na minha banda que tanto se dedicou para preparar um momento musical especial com canções do Apaxes e para o dia da Mulher. E o meu coração foi ficando pequenininho. Para fazer um belo Carnaval precisa de muito amor, porém não se faz carnaval sem profissionalismo. Agora não cabe arrependimento. Mas não posso negar a minha grande frustração.