segunda-feira, 27 de setembro de 2010

"O que é que a baiana tem?"


A música de Dorival Caymmi reflete a síntese do imaginário da brasileira em todo o mundo, mulher sensual, mestiça, um tanto submissa, e certa expressão livre e ingênua. A baiana foi apresentada para o mundo com suas frutas na cabeça e balangandans pela cantora Carmem Miranda em Holywood na década de 30. Claro que a mulher brasileira é mais que isso. Ela exerceu participação marcante na evolução da sociedade brasileira e muito contribuiu para a rica cultura desse país. Das abolicionistas nas associações femininas do fim do século XIX até chegar a 2010 com duas candidatas para presidência da república do Brasil – Marina Silva (PV) e Dilma Roussef (PT) – muita coisa aconteceu.

A História escrita normalmente por homens, mostra muitos heróis e mártires, mas aqui quero citar algumas personagens femininas que marcaram sua época. Chica da Silva, escrava alforriada casada com um rico negociador de diamantes que usava de beleza e sedução para influenciar a sociedade mineira. Madalena Caramuru filha da índia Moema e do português Diogo Correa foi a primeira mulher brasileira a saber ler e escrever. Maria Quitéria e Joana Angélica, a militar e a freira que lutaram pela independência do Brasil contra a resistência portuguesa na Bahia. Ana Nery enfermeira voluntária na guerra do Paraguai chegou a cuidar de seis mil soldados brasileiros. Princesa Isabel, herdeira de D. Pedro II, tinha postura liberal, aboliu a escravatura e criou as bases para a república. Chiquinha Gonzaga, também abolicionista, trocou o casamento pelo piano, foi compositora de choros e marchinhas de carnaval, chegou a ser a primeira regente de orquestra. Berta Lutz foi pioneira na luta pelo voto feminino e igualdade entre os gêneros no país.

Apesar da presença dessas personagens em alguns séculos de história, as mulheres conquistaram realmente seu espaço nas últimas quatro décadas com o movimento feminista, a descoberta da pílula anticoncepcional e o trabalho fora do lar. Mesmo pagando o ônus de uma dupla jornada de trabalho, muitas mulheres, mães ou não, assumiram as rédeas na produção, na economia, na política, no sustento e gestão da família. A partir de 1960, as mulheres passaram a exercer o direito de decidir quando e quantos filhos ter. Consequentemente puderam separar sexo de reprodução e descobrir o próprio corpo e o prazer. O feminismo muitas vezes visto como movimento longínquo e radical foi responsável pela garantia dos direitos da mulher contra violência, a favor da assistência médica e o acesso a informação. Ainda hoje mulheres ganham menos que os homens exercendo as mesmas funções no mercado de trabalho, no entanto sabemos que as diferenças físicas e psicológicas existentes entre homens e mulheres não privilegiam nenhum dos dois e podem proporcionar maior qualidade profissional. A riqueza da cultura está na diversidade.

Como filha, neta e bisneta de cantoras, tentei refletir porque recaiu sobre mim esse dever quase ancestral de levar adiante a música na minha vida. Assim identifico facilmente a evolução do feminino. A minha bisavó cantava apenas na igreja, apesar de adorar dançar e cantar com o seu irmão nos bailes, a cantoria não era coisa de moças de família. A minha vó, Lindalva, até arriscou cantar nos programas de rádio e dançar nos carnavais, porém assim que chegou o casamento, a vida se preenchia com muito trabalho fora e dentro de casa. Minha mãe nascida em 1950, participou de programas de calouros, cantou e dançou em matinês, porém foi proibida de representar a Bahia no Chacrinha porque meu avô julgava o mundo da arte uma perdição. Inaiá Visi só saboreou a liberdade depois da separação aos 32 anos ainda diante de severas críticas.

Marina e Dilma representam um avanço nessa organização social patriarcal brasileira e no fundo representam mulheres simples, mulheres comuns que lutam no seu dia a dia para ter respeito no trabalho e em casa, mulheres que lutam para ter acesso a educação e uma carreira digna, mulheres que querem decidir sobre casamento e filhos, mulheres que sonham e podem acreditar que esses sonhos podem se tornar realidade.

Carla Visi
Cantora e jornalista

Teca Mougeville
Apoio de pesquisa

*Texto elaborado para Revista Boa Dica de agosto de 2010.

2 comentários:

CIRO LÉO disse...

Confesso que quando criança sempre fui fã das mulheres que não eram submissas. Mesmo pequeno não entendia o motivo pelo qual a mulher era dotada de uma certa debilidade para fazer algumas atividades. Ainda na década de 80 vi numa tia minha o início da liberdade feminina. Logo eu que nada entendia do passado, pois nasci em 82, mas podia sentir facilmente a predominância do machismo na sociedade. Essa minha tia dirigia e não só dirigia. Dirigia bem! Gostava de rock anos 80 e dirigia cantando! Aquilo era o máximo pra mim. Na minha mãe vi o mesmo, só que mais tarde, quando da separação de meus pais. Ainda no casamento, minha mãe viajou pra comprar muambas no Paraguai, nos deixando por dias para construir nossa casa. Minha mãe trabalhava dias e estudava noites para ter algo melhor. E ela conseguiu! Hoje temos uma inversão de valores. Os homens querem assumir o papel feminino de antes, mas não por força da cultura, mas por força da preguiça. Isso me enoja de uma forma, porque muitas daquelas mulheres não queriam ser como eram, mas esses homens assim desejam ser. Aplaudo mulheres como minha mãe, que foram tidas como loucas por não serem submissas a homem e nem ficarem caladas quando se sentiam ameaçadas, e que até hoje lutam por condições melhores e igualdade em termos salariais e de tratamento. E o que mais me orgulha é saber que a mulher é mais resistente que o homem na dor, tem que menstruar todo mês e trabalhar, frequentar salão, saber cozinhar, cuidar de casa e filho, mãe e pai e, ainda, desenvolver seu trabalho com qualidade. Mulheres assim, bato palmas e sou fã de vocês. Na outra encarnação quero voltar como homem. Acho que não teria esse pique!

Unknown disse...

Gostei da Matéria, e eu acredito no Brasil, não precisamos de Políticos precisamos de gente que trabalhe. E a Dilma pelo histórico que pude ler por ai se referem a ela como uma exelente administradore, e cá entre nós mulheres tem mais raça e força de vontade do que os homens.
Eu tiro como ensinamento minha querida mãe que fora abandonada pelo meu pai quando eu tinha 12 anos, e ela com 2 filhos pequenos foi guerreira e conseguiu nos tornar Homens de caráter.